A peregrinação a Fátima

Tomei esta proposta de escrever sobre a Peregrinação das crianças a Fátima, a 9 e 10 de Junho, como um desafio, talvez porque a iniciativa suscita em mim sentimentos contraditórios. Mas mais do que dúvidas, interessa-me partilhar reflexões e por isso aceitei escrever.

Pensando sobre o assunto e procurando arrumar sentimentos fui naturalmente empurrada para a minha infância e as vivências da Fátima de então, há uns bons sessenta e tal anos...dei por mim a revisitar lugares, acontecimentos e pessoas. O que ficou ?

Como fui uma criança doente, recordo Fátima por ser praticamente o único lugar onde me levavam, saindo assim do hospital onde estava internada. Nunca me falaram em cura ou milagre mas bem percebia que o momento essencial era a benção dos doentes e pareceu-me natural fazer ali a minha primeira comunhão. Hoje tenho a convicção profunda de que Nª Sª de Fátima ouviu as preces da minha família e intercedeu por mim, facto exposto a alguns médicos que reconhecem na minha cura fatores inexplicáveis.

Mais tarde, na década de 50, recordo vivamente as Concentrações das Famílas Católicas em Fátima, que eram simultaneamente tempo de rezar em união com outras famílias, conhecidas ou não, bem como de convívio e de manifestação coletiva e muito séria, da nossa Fé. Para mim e para os meus nove irmãos foram ocasiões marcantes. Ainda há pouco tempo um deles, que vive noutro continente, nos pediu encarecidamente que lhe enviassemos uma fotografia dos meus pais, transportando o andor de Nossa Senhora na procissão que sempre se realizava.

As minhas reflexões sobre a Peregrinação das Crianças em 9 e 10 de Junho, centram-se em três questões: Porquê? Para quê? Como?

A primeira resposta salta à vista: se Maria, mediadora de todas as graças, escolheu três crianças como suas mensageiras, é porque elas, as crianças, serão sempre interlocutoras privilegiadas na relação dos homens com Deus. E aí impõe-se uma mudança de atitude por parte dos adultos: as crianças portuguesas vão a Fátima no dia 10 de Junho não como seres menores, ao nosso colo ou empurradas por nós, mas porque elas estão sempre mais próximas de Deus, como muito claramente afirma o Pe. Balthasar no seu livrinho “Se não vos tornardes como crianças” (1988). Cada criança nasce com todas as potencialidades e dimensões próprias do homem, não é um objeto nem um ser inacabado e a graça de Deus atua em cada uma, interpelando-a e revelando-Se, o que torna a infância um tempo privilegiado do encontro pessoal com Cristo.

E a segunda pergunta: Para quê? Se a intenção destes encontros nacionais é reunir o maior número de crianças junto de Nossa Senhora, com a finalidade de que a sua oração comunitária seja escutada por Deus e traga mais paz e amor ao mundo, sempre tão revolto, é fácil responder ao ‘Como’, mas estejamos vigilantes pois estes grandes eventos facilmente se tornam numa finalidade em si mesmos, ou porque já fazem parte da tradição ou porque ninguém se atreve a pô-los em causa para os (re)pensar. Por exemplo, constatei que hoje pouco se fala no Anjo da Paz, também chamado de Anjo de Portugal, ora as visitas do Anjo aos pastorinhos, preparando-os para o encontro com Jesus através da Eucaristia e para os pedidos que Maria, sua Mãe, havia de lhes fazer são o modelo de uma catequese perfeita!

“Não tenham medo!” disse às crianças “Sou o Anjo da Paz, rezem comigo” e ensinou-lhes a oração “Meu Deus eu creio, adoro, espero e amo-Vos; peço-Vos perdão pelos que não creem, não adoram, não esperam e não Vos amam...” tão simples e clara que foi uma das primeiras que ensinei aos meus muitos netos. Quero dizer com isto que o essencial é o sentido, o significado que damos a esta peregrinação pois ele será intuído por cada criança que nela participar e contribuirá para que dê, assim, um verdadeiro sentido à sua vida e à relação com Deus.

Como fazer, então? Ou melhor, podemos nós, catequistas, pais, avós e educadores, cumprir o papel de mediadores entre a criança e a liturgia, de animadores deste Santuário de Fátima que afinal é delas, crianças, por decisão de Maria? Comunicar de forma simbólica a Mensagem de Maria? Transcrevo a resposta de uma catequista:

“ No seu crescimento, a permeabilidade da criança ao mundo que a rodeia é enorme. Tem por isso grande capacidade para integrar experiências novas e estabelecer múltiplas relações com o que já adquiriu ou experimentou. Tal integração será tão maior e profunda, na construção da sua vida interior, quanto forem significativas as experiências que referi e, claro, o sentido de cada uma delas. Uma celebração, em si mesma, arrisca por isso ser mais pobre se vivida apenas como “acontecimento” e não como ponto de partida, de passagem ou de chegada de um todo integrador.”

Sim, ir a Fátima com as crianças como peregrinos não é como ir de viagem para férias ou em excursão ao Portugal dos Pequeninos... por isso é tão importante que os responsaveis criem condições para que as crianças compreendam o que ali se passa naquele dia, o significado e a história daquele lugar, a dimensão da festa vivida em conjunto e do encontro pessoal com Nossa Senhora. Por isso é tão importante a preparação e antecipação destes dias, dando voz às crianças que têm sempre perguntas e comentários a fazer. E, finalmente, assegurar que dali levam um enriquecimento interior proporcionado por esta alternativa ao ruído que as rodeia no quotidiano. Como diz a catequista já citada:

“A peregrinação a Fátima, sendo primordialmente uma peregrinação interior, deve ser uma oportunidade clara para distinguir a dimensão espiritual como força motriz da Vida e para a Vida, experiência de Amor inequívoco e fecundo, proporcionado por um Deus que de tudo é capaz mas que, acima de tudo, a ama, a ela, criança, tal como é. Um Deus cujo Amor por nós é um milagre e não uma magia...”

Maria João Avillez Ataíde,
Docente de Pedagogia na Escola Superior de Educação Maria Ulrich

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